Dicas de Livros

Criminalidade Infantil

Inferno de Patrícia Melo retrata o cotidiano violento em uma favela carioca. Ao acompanhar a trajetória de Reizinho, olheiro de traficantes desde os onze anos, num mundo onde o poder é conquistado à força, o leitor se dá conta que muitas vezes a violência está onde menos se espera.
Um trecho do livro:
"Sol, piolhos, trambiques, gente boa, trapos, moscas, televisão, agiotas, sol, plástico, tempestades, diversos tipos de trastes, funk, sol, lixo e escroques infestam o local. O garoto que sobe o morro é José Luís Reis, o Reizinho. Excluindo Reizinho, ninguém ali é José, Luís, Pedro, Antônio, Joaquim, Maria, Sebastiana. São Giseles, Alexis, Karinas, Washingtons, Christians, Vans, Daianas, Klebers e Eltons, nomes retirados de novelas, programas de televisão, do jet set internacional, das revistas de cabeleireiras e de produtos importados que invadem a favela.
Subindo. Ruas de terra batida. Onze anos, o garoto, Reizinho. Pipa nas mãos. Pés descalços. Short laranja. Uma menina acena para a câmera do cinegrafista. É comum se deparar com uma equipe telejornalística na favela. A garota diz que sabe sambar. E sabe. Projeta o traseiro em direção à câmera, saracoteia, sensual. Durante a caminhada morro acima, domésticas sorriem para ele, passam, crianças, gente indo para o trabalho, oi Reizinho, pedreiros, cumprimentam, crianças, cachorros, eletricistas, oi, acenam as mãos, latem, cadelas, babás e digitadores, cachorros, encanadores, gigolôs, porteiros, ladrões de carros, crianças, sorriem, moças nas janelas, manobristas, assaltantes, costureiras, sorriem, traficantes de armas, o local é tumultuado, crianças, lamentos, é barulhento, confuso, entulhado, sujo e colorido. Sempre imaginava o pai branco, apesar de estar farto de ver nas duas únicas fotos que roubara da mãe o pai preto, bem preto. Bonito, o pai. Justo, correto, honesto, o pai, preto, não no sonho. Toda vez o pai lhe explicava que era mentira o que diziam a seu respeito, as histórias de que saíra de casa para comprar cerveja, com um vasilhame nas mãos, e nunca mais voltara. Calúnias nojentas. Cirrose era calúnia, os porres, as surras, as amantes, calúnias e mais calúnias. Os encontros com o pai não ocorriam apenas quando estava no sofá, dirigindo, mas também quando rolava na cama, insone, e, vrum, era motorista de táxi. Mas não gostava de encontrar o pai dessa forma. Melhor era quando o pai o esperava na porta de casa. Vamos ao McDonald's. Vamos ao cinema. Vamos comer pipoca. Vamos conhecer a Bahia. Vamos caçar marimbondos. Era fácil ser proprietário de uma frota de marimbondos, seguindo as instruções do pai: capturá-los em dias chuvosos, nas poças, arrancar-lhes os ferrões, amarrá-los em linhas e vê-los voar, escravos. Outra coisa que o pai lhe ensinou, nos sonhos, foi usar a vassoura como microfone e repetir palavras que se falam na televisão, déficit, rentabilidade, mercado imobiliário, empréstimos bancários, câmbio. As pessoas na televisão, quase todas, eram muito queridas pelo Reizinho. Mas Reizinho não estava ali nos píncaros do morro do Berimbau para brincadeiras. Era um observador profissional. E gostava de observar, não daquela forma, do alto, o conjunto, toda a favela, os barracos, a multidão. Gostava dos detalhes. Observava apenas as pessoas. As mulheres. Os homens. As crianças. E os cachorros. E seu trabalho era exatamente este, olhar. Os maconheiros eram os mais fáceis de ser reconhecidos, tranqüilos, displicentes, muito diferentes dos cocainômanos, estes sim tensos e só menos apressados que os usuários de crack e drogas mais pesadas. Neguinho viciado tem vida difícil, explicara-lhe Miltão, o líder do tráfico no morro do Berimbau e namorado da Suzana, a vizinha linda de morrer, neguinho rouba, dizia Miltão, neguinho vende qualquer traste que encontra em casa e corre para cá, para aliviar, é uma verdadeira bosta, a vida do viciado. E se o vício for heroína, muito pior. Porque neguinho sente uma sensação deliciosa de estar descendo a montanha-russa, na primeira vez, e, depois, neguinho se droga para não ficar tremendo e suando e cagando na cama. Uma merda. Todo esse blablablá, dizia Miltão, é só para passar o meu recado: não se meta com drogas, pirralho. Nunca. Se você quer ser um traficante de verdade, fique longe do crack, da erva, do pó e de tudo gostoso que vendemos aqui.
Não tinha a menor importância se quem subia o morro era branco, preto, viciado, jornalista, caridosa profissional ou bacana aventureiro, a ordem era simples e clara, os traficantes deviam saber tudo a respeito de quem entrava na favela. Desconfiem de todo mundo, dizia Miltão, até de turista que vem bando, em jipes fretados, pagando para ver esgoto e pobreza. Entrou, deve ser checado. E se neguinho não disser lé com cré, advertia, neguinho se fode comigo. Havia um código orientando a movimentação das pipas no céu. Quando crianças como Reizinho desapareciam subitamente dos pontos de observação e as pipas sumiam do horizonte, os traficantes sabiam exatamente como agir.
Naquela manhã, Reizinho se acomodou no mirante e depois de duas tediosas horas de trabalho, vigiando a entrada da favela, o movimento, as vielas, as antenas, os telhados, as pessoas, as lavadeiras.


Minichefão de Lúcia Pimentel Góes - Para conscientizar sobre as conseqüências do problema da criança que sofre com a desigualdade social e injustiças no Brasil, a PAULUS Editora lança Minichefão, um livro que conta a história de "um menino que vive no mundo das drogas, dos tiros e assaltos.
Bilé é mais uma criança da periferia que tem seus sonhos e desejos limitados pela pobreza e que por isso é empurrado para a escola do crime. Ali, Bilé consegue a mais alta graduação: Minichefão. Diante da violência, do abandono, da fome, Bilé usa os sonhos e a fantasia para imaginar uma vida diferente, digna e feliz. O menino passa a viver dois mundos, um que ele construiu e o outro que a dura realidade lhe deu". Minichefão é um retrato da realidade transformado em livro e coloca o leitor diante do problema muito discutido, mas pouco estudado. Conhecer as conseqüências da criminalidade é dever de todos, e mais do que um problema social, a criminalidade infantil compromete cada vez mais a construção de um futuro melhor." A autora, Lúcia Pimentel Góes, é professora universitária e tem presença atuante no movimento de literatura e educação e também já trabalhou como editora de literatura infantil e juvenil. Nasceu no estado de São Paulo, fez mestrado e doutorado na USP, ambos voltados para a Literatura Infantil e Juvenil.



Falcão Meninos do Tráfico de Mv Bill e Celso Athayde - Este livro é um contundente relato pessoal dos autores sobre os bastidores da produção de um documentário explosivo que mostra, como nunca foi visto antes, o universo dos meninos que trabalham no tráfico de drogas em diversas partes do país.
Celso e Bill revelam as experiências dramáticas que viveram antes e durante a realização do documentário Falcão, em narrativas que preferiram escrever em primeira pessoa, numa linguagem franca e direta. Ao longo do livro os autores também discutem temas polêmicos como racismo, segurança pública, repressão policial e a importância do Hip Hop para a juventude que vive nas favelas. Com uma câmera na mão e a coragem de enfrentar o inesperado, Bill e Celso recolheram imagens e depoimentos estarrecedores ao longo de seis anos. Dos 17 meninos entrevistados, 16 morreram ao longo da produção do documentário. O objetivo dos autores foi mostrar o lado humano destes jovens. Suas razões, suas angústias, suas loucuras, seus sonhos, suas maldades e contradições. "Não queremos, com este livro, apresentar soluções para a criminalidade infantil, induzir opiniões, ou fazer uma análise profunda baseada em teorias para explicar o motivo dessa tragédia. Pretendemos simplesmente narrar as dificuldades que fizeram parte do nosso dia-a-dia, durante as gravações do documentário Falcão. Fatos que ficaram marcados em nossa consciência, em nossa alma."
Vidas e talentos atolados no abandono e no descaso social. Cenas cruas de desumanização e degradação de seres humanos que, ainda assim, resistem e sonham até a próxima bala perdida ou intencional. É essa realidade dantesca que MV Bill e Celso Athayde retratam, com a viva esperança de que as notícias que trazem desse outro mundo possam ecoar onde ainda existam indignação, solidariedade e compaixão."



Por: Isadora Queiroz

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